Debate com InsCer e Elefante Letrado expõe falhas e soluções para o aprendizado da leitura
Alunos, professores e pesquisadores de diversas áreas como Psicopedagogia, Engenharia e Educação participaram do debate “A Aprendizagem da Leitura em Tempos de Aceleração da Realidade” proposto pelo Laboratório de Criatividade do Tecnopuc (CriaLab), o Instituto do Cérebro da PUCRS (InsCer) e a Plataforma de Leitura Elefante Letrado, na quarta-feira, 18 de outubro, no CriaLab, dentro do evento “Diálogos Criativos”.
Foi consenso entre os palestrantes e os grupos de discussão que se formaram entre os participantes, a necessidade de uma formação qualificada do professor para o ensino e para aplicação de estratégias de avaliação do aluno aliada ao uso da pesquisa científica voltada para a área da aprendizagem infantil.
“Precariedade na formação do professor foi o que mais apareceu no debate”, observou o coordenador de Relações Internacionais e Interinstitucionais do InsCer, Prof. Dr. Augusto Buchweitz. “Não se pode avaliar a escola pela boa intenção, mas sim pelos resultados”. A Plataforma Elefante Letrado vai além de disponibilizar literatura de qualidade às escolas e trabalha com foco em dar subsídios ao corpo pedagógico para mensurar o que e quanto cada aluno aprende. Para a CEO do Elefante Letrado, Mônica Timm de Carvalho, a escola brasileira tem um ensino desconectado da aprendizagem. “Pouco se avaliam os impactos que as estratégias utilizadas na escola têm no sujeito que aprende, pouco se intervém no processo para ver se o objetivo está sendo alcançado ou se verifica o que cada um está efetivamente desenvolvendo, e o ambiente digital vem auxiliar nessa caminhada”.
A mestra em Gestão Educacional criticou o pensamento da escola de que somente a escrita seja algo que precisa de instrução e acompanhamento e a leitura seria mera fruição, bastando dispor de uma biblioteca ou de uma listagem de livros no plano escolar. “O ensino fundamental, que é a janela de oportunidade para se estabelecer o espaço da alfabetização e formação do hábito da leitura, precisa contar com um planejamento específico para o ensino da leitura e de uma intervenção pedagógica sistemática”. A Plataforma consegue verificar cinco níveis de proficiência em leitura, trabalhando um conjunto de 15 descritores de compreensão leitora, muitas vezes desconhecidos das escolas. “Se desconhece a existência deles como vai fazer um trabalho intencional para desenvolver tais habilidades e competências?”.
Outro fator que, segundo Mônica, a escola em geral desconhece, é que existe um tempo mínimo necessário para a leitura que deve ser respeitado, sendo a fluência (velocidade) da leitura um dos maiores indicadores da compreensão leitora. “Acompanhar a evolução do ritmo de leitura traz fortes indícios de que o aluno também está desenvolvendo a compreensão leitora”, afirmou.
Para o pesquisador do InsCer, a leitura e a oralidade se diferenciam de um modo bem marcante. A leitura não acontece naturalmente, o que mostra a diferença entre natureza e ambiente, entre o que estamos programados para fazer e o que precisamos aprender. “A criança tem programados no cérebro a fala e o caminhar, o que não quer dizer que vai aprender a ler ou a jogar futebol, que não precisa treinar a leitura como precisa treinar o jogo que, assim como a leitura, é um produto cultural, e isso é um exemplo de como o ambiente muda a natureza”, comparou.
Segundo Buchweitz, o estímulo deve começar antes mesmo do período escolar. Mostrando gráficos da linha de leitura no cérebro, ele aponta que tudo que acontece no período de um a seis anos é determinante na alfabetização formal. “Essas peças precisam se encaixar no momento certo para se aprender a ler no período certo. Quanto mais se perde a oportunidade, mais difícil fica a aprendizagem. Existem diferenças na qualidade e na quantidade de estímulos que a criança recebe ao aprender a falar e essa diferença, por causa do período que isso pode acontecer, vai fazer uma diferença depois no quanto ela está preparada pra aprender a ler. Os adultos têm menos da metade de sinapses que as crianças, mas isso não necessariamente mostra-se eficiente. A partir dos quatro anos as sinapses que são utilizadas, os caminhos que são formados a partir do estímulo, são os que ficam, e o que não é utilizado não faz mais parte do caminho. Então, se não tiver um estímulo pertinente para a aprendizagem da leitura, fica mais difícil se recuperar mais tarde”, afirmou.
Ele explicou que há uma área do cérebro chamada de porta de entrada para a leitura e a atividade dessa região pode ser usada como marcador da criança que está aprendendo a ler. Um dos estudos com alunos não-alfabetizados mostra que essa região não mostrou nenhuma resposta específica. Um estudo do Inscer avaliou a conectividade da porta de entrada no cérebro em repouso e mostrou que uma criança que lê muito bem tem alta conectividade, porque os estímulos foram corretos, enquanto a que está com dificuldade tem a região desconectada dessa parte do cérebro.
Para Jerusa Cuty, professora de Ensino Fundamental com mestrado em Letras, o apresentado pelos palestrantes foi muito esclarecedor sobre o que observa nos alunos. “Tudo que foi discutido aqui tem relação com o que acontece na etapa final. Eu que trabalho com pré-adolescentes, do 13 aos 15 anos, e vejo que o que aconteceu na base reflete na aprendizagem atual”.
Após as apresentações, os participantes se reuniram em pequenos grupos para debater temas expostos em perguntas sobre as mesas, em desafios propostos pelos palestrantes: O que caracteriza um bom ensino da leitura? Você conhece uma boa experiência de pré-escola? Como seu filho chegou na pré-escola em termos de preparação para a alfabetização? O que caracteriza um bom desempenho?
O coordenador do CriaLab, Luis Humberto Villwock, disse que a atividade propõe uma mudança no formato das palestras, com a ideia de estimular o público a dialogar. “A educação merece um debate com teor inovador”, afirmou. “O laboratório criativo é para resolver problemas complexos e me parece que a educação é um problema complexo”.
Em uma das apresentações, depois de debatida a pergunta ‘O que fazer sobre a questão pré-escolar no Brasil?’, o professor de Língua Portuguesa Baiard Brocker chamou a atenção para a falta de conscientização da família e da sociedade para o bom funcionamento da educação. “Diminui o orçamento da educação e a sociedade recebe isso com indiferença. Temos que sacolejar a sociedade, ela convive com isso de forma muito passiva”, declarou.
A pedagoga Lúcia Rathmann, curadora de projetos da Escola São Judas Tadeu, que utiliza o Elefante Letrado, disse que se esforça para orientar o professor, que muitas vezes desconhece o livro que indica ao aluno.
O coordenador do InsCer apresentou ainda gráficos que mostram que a quantidade de palavras usadas por crianças de zero a seis meses com pais de nível superior é maior do que as de pais com nível médio e mais ainda de dependentes de programas sociais. E mostrou dados sobre o baixo desempenho das creches no Brasil, que seriam “armazéns de crianças”, cuidando da alimentação e limpeza, mas não da aprendizagem, e usando a televisão como “cuidador”.
“O que prova que o aprendizado do vocabulário não é questão genética e sim de ambiente”, disse. “O vocabulário só se desenvolve a partir da interação com o cuidador, com quem lê pra criança, e a TV não ajuda”.
A CEO do Elefante Letrado reforçou: a intervenção do professor faz a diferença. Dados de uma escola privada mostram resultados diferentes entre as turmas da mesma série sobre a quantidade de textos lidos. “Plataforma ou qualquer recurso tecnológico não exclui a mediação”.
Mônica também destacou que um dos atrativos da biblioteca digital é que ela apresenta os livros com as capas voltadas ao leitor, e não o dorso do livro, o que fascina as crianças.
Por Lúcia Karam
Conheça a ferramenta tecnológica que vai diferenciar a sua escola através deste link.
Como mãe de aluno do 4 ano de escola pública acho importante essa plataforma de leituras, porém em O PEQUENO POLEGAR, existe uma página que pode provocar medo ao pequeno leitor falando sobre o ogro que matou as próprias filhas degoladas e elas estavam deitadas em seu próprio sangue, como pai não vejo como esse tipo de livro ajuda no aprendizado das crianças.
Olá, França. Agradecemos pelo seu comentário e pela sua crítica. Levamos sempre em consideração e analisamos com cuidado os questionamentos que recebemos. Sobre os pontos mencionados na sua mensagem, compartilhamos que não são poucos os contos para a infância que trazem situações de medo e colocam os mediadores – pais, avós, professores, bibliotecários – em dúvida sobre a sua adequação ao público infantil. Sobretudo em relação aos contos de fadas, é recorrente essa preocupação, já que há contos que lidam com temas delicados como a morte, por exemplo. No entanto, há algumas questões que devem ser levadas em conta se queremos conectar as crianças e os jovens à literatura de qualidade e expor esses leitores ao que de melhor a arte pode oferecer.
Um primeiro aspecto é ter em mente que as referências da criança, suas experiências de vida e sua bagagem de leitura são muito diferentes das de um adulto, o que quer dizer que ela não terá as mesmas impressões de um adulto diante de um texto. A criança está vivendo suas “primeiras vezes”. É o adulto que se assusta, não necessariamente a criança. E a literatura – a fantasia, a imaginação – cumpre o importante papel de “equipar” o olhar das crianças e fortalecer os seus sentidos, preparando-as para o que encontrarão pela vida.
Outra questão que merece atenção é a importância que tem o jogo simbólico na infância. E a literatura é campo vasto e fértil para a simbolização, o famoso “faz de conta”, necessário para que a criança possa experimentar sentimentos no âmbito da fantasia, “sem correr riscos”. Nas páginas do livro, o pequeno leitor está seguro para se arriscar, para experimentar dores e alegrias que não são as suas, mas que podem vir a ser. Negar essa possibilidade é negar um equipamento seguro para que ele enfrente as situações da vida real.
Por fim, é importante lembrar que, ao mediar uma leitura, o adulto deve permitir que o protagonismo da situação seja da criança, deixando que ela expresse – ou não – suas impressões sobre o texto e “devolvendo” as perguntas que ela possa fazer com um “o que você acha?”. Assim, a criança poderá elaborar as questões que a incomodam de forma mais reflexiva e profunda, usando suas próprias experiências como referência para a construção de uma visão sobre o livro, sem a interferência da leitura do adulto. O mediador deve ser um iluminador do texto, alguém que aponta caminhos possíveis sem dar uma resposta fechada.
Desejamos que a nossa mensagem possa lhe ajudar de alguma forma. Sempre que precisar, estamos à disposição. Conte conosco. Boas leituras! 😀